a potência da solidão na identificação com o outro

créditos: divulgação

eu tinha visto um pedaço de Lost in Traslation (2013), de Sofia Coppola, há um tempo. e resolvi assistir completo esses dias no Netflix. um filme com uma história simples, mas extrememante bem executado.

Bob Harris (Bill Murray) é um ex-ator que vive de seus sucessos passados e está no Japão para participar da campanha publicitária do uísque Suntory. Charlotte (Scarlet Johansson) é recém-graduada de uma faculdade de filosofia que está no mesmo país acompanhando seu marido (Giovanni Ribisi), fotógrafo de uma banda de rock.

Bob e Charlotte estão no mesmo hotel, sozinhos e não conseguem dormir. sendo do mesmo país e, nessas condições, eles se aproximam.

e, aqui, vale ressaltar a importância da cultura como elo nessa identificação entre pessoas de gerações diferentes. apesar dos diálogos curtos que os dois estabelecem, em oposição à verborragia japonesa, eles se conectam pelo olhar, pelas poucas palavras e pela comunhão de estarem sozinhos em um lugar longe de casa.

o casamento de Bob não está dos melhores e Charlotte está lidando com o início do seu, com a ausência do marido e com a indefinição do que quer para seu futuro. essa solidão une os dois, com tempo livre, no Japão. uma cidade com excesso de luz, de estímulos visuais, de pessoas, de palavras.

essa estranheza de estar no território alheio é diminuída pela cultura ocidental que os aproxima. ali eles podem falar no mesmo idioma, podem ser um apoio do outro.

Bob topa sair com os amigos de Charlotte por uma noite. eles se divertem no karaokê, mas na segunda noite a dança de mulheres nuas já não atrai mais. e aí eles voltam ao hotel, um não-lugar que acaba sendo o mais familiar que têm na memória de onde vieram.

e nesse encontro existe um carinho, que é potencializado por estarem distantes de suas rotinas.

a luz fria em Charlotte traz a tristeza da indefinição que ela vive. e essa mesma luz acaba se tornando mais quente quando os dois se encontram. é a companhia, é o calor humano no estranho que ameniza a tristeza que cada um vivencia internamente.

(até porque, às vezes, a gente se sente mais confortável em falar sobre nossa história com um estranho do que com alguém próximo.)

créditos: reprodução/filme

há ainda a dificuldade de despedida que sentem quando a hora de voltar pra casa chega. Bob nega a realidade que o espera de volta. uma vontade de ficar naquele parêntese da rotina, naquela pausa, que o inesperado propicia.

é preciso voltar, porém.

existe também um não-dito. o jeito de olhar e a não possibilidade de expressar afeto em público, porque Bob está acompanhado de assistentes a sua espera. aquilo gera uma falta. gera tensão. tensão essa que persegue todo filme, porque percebermos um sentimento ambivalente ali, que pode ser muita coisa, mas também pode ser nada demais.

e essa privação de se dizer o que quer, de poder abraçar na hora do adeus, esse interdito social angustia. uma angústia compartilhada com quem assiste, porque assim como eles se identificaram no começo do filme; a esta altura, nós já nos identificamos com eles.

pra mim foi interessante ter assistido a este filme na pandemia, porque sinto, às vezes, essa solidão pela ausência física, que é essencial no modo como me relaciono com o mundo. não é a mesma solidão das personagens, evidente, mas é uma solidão sinônimo de falta e essa falta uma hora se apresenta na nossa vida. de um jeito ou de outro.

Deixe um comentário